
O sofrimento nos desafia a compreender - Jó 38-39
Sinopse
O sofrimento está por todos os lados. Enquanto você ouve essa mensagem, pessoas estão perdendo suas vidas por um câncer, outras sofrendo algum tipo de violência, sem contar as guerras, catástrofes e tragédias que dizimam cidades inteiras.
O sofrimento é tão comum, que muitas vezes nem nos chocamos com algumas notícias. Buscamos razões e jeitos para não sofrer. Exercícios físicos, exames preventivos, alimentação saudável, segurança, mas no fim, não há dinheiro nem planejamento que impeçam um luto, uma doença, uma traição, um desastre financeiro, a vida vai além do nosso controle.
E quando a tragédia nos alcança, e talvez tenha te alcançado nesse momento da vida, impulsivamente, tomados por tristeza e pela gota de fé que resta, nosso coração clama: Deus, onde estás?
Contextualização de livro
Mas isso não acontece só em nosso tempo. A Bíblia nos conta sobre a história de Jó, alguém que viveu o sofrimento em todas as áreas da vida. Apesar de parecer uma narrativa (por retratar uma história), teologicamente, Jó é considerado um livro poético, pois ele é constituído por rimas e métricas poéticas hebraicas e usa muitos símbolos e metáforas.
Na sequência bíblica, temos 5 livros poéticos: Jó - sofrimento; Salmos - oração; Provérbios - questões da vida; Eclesiastes - questionamentos; e Cantares - amor. Isso é importante destacar, porque um livro com gênero literário poético não está preocupado em passar informações sobre tempo e espaço, nem se a história é real ou fictícia. Uma poesia traz reflexões sobre a vida cotidiana de forma poética, com rimas, métricas, que muitas vezes se perdem nas traduções, mas que os questionamentos e afirmações sobre a vida cotidiana transcendem o tempo e espaço.
No caso de Jó, o assunto principal é o sofrimento, e as reflexões poéticas articulam-se entre as causas do sofrimento, quem é o culpado, onde está Deus diante de todo esse sofrimento e o que a resposta de Deus muda na perspectiva de quem sofre. Hoje nós vamos refletir no capítulo 38-39 do livro de Jó sobre o tema: O sofrimento nos desafia a compreender.
1- O agir de Deus - cap.38.1-15
Primeira coisa que podemos destacar desse momento tão especial onde Deus fala, é a forma que ele se manifesta (no contexto bíblico, podemos encontrar Deus falando inúmeras vezes e se manifestando de várias formas), no caso de Jó, uma terra deserta em que a chuva é sinal de esperança, ironicamente Deus se manifesta na tempestade (v.1). Agora, por mais que Jó esteja sendo sincero diante de Deus, ele não conhece de verdade sobre as complexidades da vida e Deus o chama para esse debate, perguntando simplesmente onde Jó estava quando tudo foi criado (v.2-11).
E mais, nesse discurso, Deus está ensinando que Jó precisa deixar o desejo de justificação própria e perceber que ele não sabe e não pode fazer nada em relação ao ímpios, até porque, é Deus que traz à tona, em algum momento, a escuridão deles (v.12-15). O tema dessa série é “Deus, onde estás?”. Mas, talvez a pergunta mais correta seria “Deus, como estás?” Como estás se manifestando? Muitas vezes, diante do sofrimento, perguntamos onde está Deus quando na verdade Deus está exatamente ali, se manifestando através das tempestades de nossa vida e nós não queremos ver porque nos confronta. Deus pode estar falando através de uma crise financeira que você precisa organizar melhor seus recursos.
Deus pode estar falando através dessa crise familiar que você necessita mudar seu jeito de lhe dar com os problemas, controlando o ódio e trabalhando o perdão. Questione menos “Deus onde estás?” e mais "Deus como estás?" "Ah pastor, por que tenho que passar por esse sofrimento?" Deixa eu te perguntar algo, onde você estava quando tudo foi criado? Será que você tem conhecimento do todo da vida para questionar o que Deus está fazendo? Entenda, tudo bem você ser sincero diante de Deus, mas há uma diferença em perguntar "onde está Deus?” com humildade e dor como Jesus que se sentiu desamparado na cruz (Mateus 26.46), do que questionar Deus com a intenção de o encurralar e chantagear, como se fosse possível.
Se nenhum de nós e nenhuma matéria de conhecimento estavam no tempo/espaço onde tudo foi iniciado, como podemos questionar Deus? Mas além disso, Deus também está confrontando a nossa preocupação demasiada com os que estão longe de Deus. “O ladrão, o que me violentou, o político corrupto, meu chefe grosseiro, o familiar que me feriu, por que Deus não os faz sofrer?”. Quem é você para medir o sofrimento do ímpio? Um dia, Deus irá trazer a tona essa vida suja e vão ter que acertar suas contas com Deus, mas não é você que deve se preocupar ou fazer alguma coisa, deixe com Deus e cuide da sua vida.
2- A nossa significância - cap.38.16-38
Deus então, traz à tona um problema de todo o ser humano, a morte. Mas não só o poder da morte, mas Deus pergunta para Jó se ele sabe e consegue controlar o que acontece depois da morte. Deus fala com Jó de forma irônica e o trata como uma criança que se acha adulto para entender e questionar as decisões de seus pais (v.16-21). Mas um ponto importante, que Deus traz a Jó, é que o mundo não gira em torno do homem. A natureza está se movimentando, os animais precisam ser alimentados, onde não há vida humana, ainda sim, existe um mundo criado e necessidades supridas (v. 22-41). Aliás, deveria ser ao contrário, o ser humano deveria cuidar deste mundo. Mas em algum momento essa ordem de perdeu.
Onde? Quando? No livro de Gênesis, vemos o relato da criação, e o ser humano foi criado a imagem e semelhança de Deus, possivelmente numa única tarde de seis dias de trabalho (Gênesis 1.27-31). Isso já mostra que apesar de sua singularidade, existe um restante da criação que o ser humano deveria cuidar. Mas o homem e a mulher não quiseram seguir a direção do criador e com a decisão de buscar sua autonomia, o caos entrou na humanidade e o mundo ficou em desordem. Mas Deus, no trabalho de resgatar o ser humano, enviou seu filho Jesus para morrer na cruz e pagar o preço dessa decisão.
Jesus é aquele que restaura o papel do ser humano de ser esse gestor da criação. Ele é quem multiplica os peixes, que anda sobre as aguas, que acalma a tempestade, que venceu a morte. Por intermédio de Jesus podemos ser co-criação, exercendo o cuidado sobre a criação. Assim, a luz dessa mensagem, duas lições podemos tirar deste trecho de Jó: a) Na crise da morte, confie no Deus da vida - Muitas pessoas tem medo da morte outros do que vem depois da morte. Realmente tememos porque é algo que não conhecemos. Quantas crises de ansiedade de irmãos e irmãs de nossa comunidade por causa desse assunto, inclusive eu. Por isso, a reflexão é que se nada conhecemos sobre a morte, como podemos questionar Deus como se estivéssemos no mesmo nível. O que podemos fazer é confiar no Jesus que venceu a morte e no Deus que dá a vida. b) Você não é o centro do mundo - Muitos dos nossos questionamentos em relação a ação de Deus no sofrimento está conectado a nos acharmos importantes demais.
Sim, existe uma singularidade, você e eu somos a única parte da criação criada a imagem e semelhança de Deus, mas é só uma parte dos 6 dias de trabalho de Deus. Então, não ache que Deus tem que fazer "isso ou aquilo" como se sua vida fosse o resumo do mundo. Apesar de sua dor ser importante para você, e Deus se importar com seu coração, existe muita coisa acontecendo e você não é o centro do mundo.
3- Nossa função no mundo - cap.39
Deus continua falando com Jó sobre como o ser humano é pequeno diante de Deus, existem detalhes, imensos detalhes que o ser humano não conhece ou nem se preocupa, mas que fazem o mundo girar (v.1-12). Nesses detalhes da criação, existem funções que o ser humano também não consegue definir, mesmo as imperfeições são obra de Deus e devem ser para um plano maior (v.13-25). O que Deus está apontando é simples, se Jó não é capaz de controlar coisas ordinárias para que o mundo gire, como entenderá a complexidade da vida. Jó só precisa confiar (v.26-30).
Conversava com um amigo da comunidade que fez uma viajem de 20 dias de moto para o litoral do Chile. Ele me contava que em alguns trechos do deserto apareciam paisagem lindas isoladas e como isso o enchia o coração de fé em Deus. Você não define se vai chover ou não no deserto e nem aqui. Nós não conseguimos suprir o alimentos de todos os animais, aliás, nem os nossos alimentos, pois é só chover demais ou de menos, que nossas plantações são prejudicadas, alimentos ficam escassos, preços sobem e o caos é instalado. E vamos ser sinceros, muitas dessas coisas nem nos preocupam. Você não levanta pensando se a onça da Amazônia vai ter o que comer ou se a cobra terá água pra beber.
Você nem se preocupa se a plantação de arroz recebeu chuva suficiente, a menos que falte na sua mesa. A verdade é que somos muito pequenos diante dos detalhes que fazem esse mundo girar. Agora, apesar de sermos pequenos, cada função é movida por Deus e é essencial para esse mundo girar. Você já pensou como é bom ir no culto pela manhã e após o encontro poder almoçar com a família no shopping? Pois é, houve alguém que preparou esse almoço e não pôde viver esta mesma realidade. Você já pensou que sua função cotidiana de pai/mãe, esposo(a) pode afetar o mundo e por isso é o seu serviço a Deus? Se não sabemos de todos os detalhes que envolvem o mundo, e mesmo sabendo, não conseguimos interferir e manter a ordem no mundo todo. Se muitas vezes não enxergamos a seriedade da nossa vocação no mundo e aquilo que é nossa responsabilidade como pais, cônjuge, filhos, profissionais, amigos, comunidade. Se não só, não enxergamos como reclamamos e desprezamos essa vocação.
Como podemos questionar a ação de Deus e seus planos? Como podemos dizer que as coisas deveriam ser diferentes se o que é simples não realizamos? John Goldingay diz:"Pode-se imaginar o diálogo; em vez de atacar Jó, Deus poderia ter dito: 'Está certo, Jó, eu lhe direi o que está acontecendo...', e Jó poderia (ou não) dizer: 'Bem, eu entendo; está certo, então.' Todavia, Deus não faz isso. Um significado para esse fato é que Jó precisa viver com a sua experiência da mesma forma que nós, e o desafio que o livro lança em nossa direção é viver da maneira que Deus desafia a Jó — com submissão a Deus, mesmo quando não entendemos os motivos do agir divino.”1 Talvez a resposta de Deus não é como gostaríamos, talvez encarar nossa insignificância diante do tamanho desse mundo e da morte seja muito confrontador, ainda sim, são essas reflexões que nos ajudará a ser mais resilientes diante do sofrimento, mudando aquilo que está no nosso alcance e confiando em Deus e em seus planos mesmo sem entender seus motivos.
Minha oração: Que possamos compreender o agir de Deus, como ele se manifesta, o momento que ele faz justiça e descansar nesse tempo. Que Jesus e sua cruz nos lembre que não somos o centro do mundo, que somos insignificantes, amados, mas meros e simples humanos. E que o Espírito Santo nos ajude a ver que nossa função não é questionar ou se preocupar com coisas que não damos conta, mas é fazer o melhor como pai/mãe, cônjuge, filho, amigos, profissionais, sendo parte da história do criador.