
Essa temática me lembra de um programa que passava no SBT chamado "Casos de Família", conduzida pela apresentadora Cristina Rocha. Quem se lembra? Esse programa era interessante porque todos as tarde o programa trazia casos de família, para não dizer crises de família. Eram variados os assuntos. Com uma psicóloga aconselhando os relacionamentos na parte séria do programa, todo o roteiro era divertido. A ideia era mostrar as crises de família de uma forma sarcástica.
Confesso que na jornada pastoral, em alguns momentos me sinto como nesse programa, participando de casos ou crises de família. A diferença é que na TV existe um roteiro, uma sonoplastia preparada, os casos são mais selecionados, há um ambiente que deixa os "casos de família" engraçado e ele termina no horário combinado. Mas a vida real é bem diferente. Ninguém sabe o roteiro porque tudo é uma surpresa, o plano de fundo é dramático, muitos casos são pesados, e muitas vezes parece que essa tragédia não terá fim. Irresponsabilidade, indiferença, egoísmo, desavenças, ciúmes, inveja, vinganças, violência verbal e física, ausência de perdão. Tudo isso que vem para tirar a alegria e frustrar os sonhos.
Mas isso não é de hoje, há milênios atras, famílias já encaravam os mesmo dilemas. O livro de Gênesis é rico em contar casos de famílias - narrativas que contam os bastidores problemáticos de diversos círculos de parentes. Palavras, ações, reações, decisões motivadas por tudo que parece inviabilizar os laços fraternos em um lar!
Um dos problemas que encontramos em Gênesis é através de uma afirmação: “Eu nunca vou perdoar eles?" - Gênesis 50.15-21
O Reverendo Hernandes Dias Lopes contextualiza bem esse trecho de Gênesis: “A culpa é o carrasco da consciência. Trinta e nove anos se haviam passado desde que José havia sido vendido por seus irmãos como escravo para o Egito, e já havia dezessete anos que ele os havia recebido no Egito, tratando-os com extremo cuidado e amor. Mas a consciência desses irmãos ainda não estava em paz."
Para que não conhece essa história, José, um dos doze filhos de Jacó, é vendido pelo seus irmãos. Essa é uma das história familiares mais terríveis de Gênesis. Muitas coisas aconteceram, e no fim, de um escravo, Deus torna José governador do Egito, acima dele, só o Faraó. Na quele tempo a fome assolava os povos, ms o Egito prosperava. José acolhe seu pai e seus irmãos e os perdoa. Mas seus irmãos são precipitados, rancorosos e vingativos como vimos nas últimas mensagens (Gn.34,35,38). Isso significa uma coisa, os filhos de Jacó não sabem o que significa a palavra perdão.
Temos afirmado que a essência desses problemas familiares começaram em Gênesis 3.15, onde a partir da queda temos uma bifurcação para a humanidade, entre os descendentes da Eva e os descendentes da serpente. O fato é que infelizmente essa bifurcação da queda da humanidade causou crises nas famílias de Gênesis e que o mesmos casos de família são vistos em nossas famílias hoje.
Mas podemos encontrar lições preciosas neste texto para refletirmos sobre o assunto que fecha todos esses casos de família de Gênesis, o perdão.
1- A culpa que atormenta - v.15-18
Chega o momento de Jacó fechar os olhos para essa terra e abrir pra eternidade. No luto algo fica evidente, os irmãos de José se sentem culpados. Eles pensam que José não perdoou eles mas suportou eles, com a morte do pai, agora ele se vingará. Ele não tem coragem de pedir perdão, então eles enviam um mensageiro. Esse mensageiro diz algo que Jacó supostamente teria dito, mas na despedida de Jacó não há essas palavras, talvez eles tenham inventado isso para se protegerem. Nesse momento José chora, copiosamente, porque percebe que seus irmãos continuam não confiando nele. E para eles só há um jeito de pedir perdão, oferecer alguma coisa.
O teólogo norte-americano Warren Wiersbe diz em seu comentário “Depois de tudo o que José havia feito para encorajá-los, era cruel seus irmãos dizerem: 'Talvez José nos odeie e retribua todo o mal que lhe fizemos'. (Com freqüência, suspeitamos de que os outros podem fazer aquilo que nós faríamos se tivéssemos a oportunidade!)”
Muitas vezes em nossos relacionamentos familiares somos atormentados pela culpa dos nossos erros. Um dos motivos que traz a culpa que atormenta é não querer encarar o perdão. Talvez você esteja aqui ouvindo essa palavra e sendo atormentado pelos seus erros e por tudo que você causou com essa pessoa. Mas você já encarou o perdão? Você já olhou nos olhos, confessou seus erros, aceitou as consequências e pediu perdão? Se você não encarar o perdão a culpa será sua companhia. Mas a culpa também atormenta quando aprofundamos a ferida. Seu familiar te perdoa de uma pisada de bola que você deu. De repente, vocês se encontram numa divergência de algum assunto. Então, tomado por um orgulho ou para se colocar como vítima, você diz: “Você está falando assim por causa dos meus erros”. Nesse momento, você que errou está passando a mensagem que não confia no perdão de seu familiar. Assim a ferida é aprofundada, pois essa acusação se torna uma pancada numa ferida que estava sendo cicatrizada. Talvez você diga: “Mas eu pedi perdão e mesmo assim sinto a culpa me atormentando”. Pode ser que você encarou o perdão do jeito errado. Não adianta você presentear, elogiar, agradar o familiar que você feriu, se você volta a cometer os mesmo erros. Desculpa, isso é encarar o perdão do jeito errado.
2- O maior perdão - v.19
Diante da culpa que atormentava os irmãos de José refletida numa falta de confiança no irmão que os acolheu, José poderia realmente ter se vingado, ter se aproveitado da fragilidade, ter usado eles como servos por ter tido misericórdia com eles. Mas a reposta de José é muito surpreendente. A palavra "medo" é a palavra ירא yare’ que significa reverência, honra, admiração. É como se José dissesse: “Não me reverenciem, nem me honrem, nem me admirem; e ele completa: “acaso estou eu no lugar de Deus?”. José tem uma visão muito ampla da história, apesar de seus irmãos terem causado dor e marcas em sua vida, José entende que ele também é limitado, também tem seus erros e falhas, que ele não tem capacidade de perdoar, o perdão verdadeiro de José só é possível porque Deus é quem perdoa.
Por nossa capacidade não é possível o perdão. Nem pedir nem dar, porque nós não sabemos o significado do perdão. Mas nem sempre foi assim.
No início de todas as coisas, Deus criou o ser humano a sua imagem e semelhança. Não se precisava do perdão porque não havia o mal. Mas o ser humano se afasta do criador, o mundo se torna caótico e as famílias humanas são tomadas por feridas e marcas causadas pelos próprios familiares. E assim é essa história da famílias de José e assim são as nossas famílias.
Mas Deus enviou seu filho Jesus para morrer na cruz. Ele levou sobre eles as palavras duras, as traições, as mentiras, a violência física e emocional, não só as que ele sofreu em carne, mas a de todos mundo. E em meio aos ladrões e a todos esse sofrimento ele ainda consegue olhar para os que estão crucificando-o e consegue perdoar (Lucas 23.33-34).
A partir de Jesus, nós como discípulos dele podemos aprender sobre o perdão. Podemos deixar a nossa culpa, nossos erros, nossos pecados na cruz e saber que independente se fomos perdoado ou não pelo nossos familiares, ele nos perdoa. Seus sangue nos purifica e nos dá uma nova vida. A culpa não pode mais atormentar você porque Jesus te perdoa. Mas também podemos perdoar aqueles que nos feriram. Através do evangelho de Jesus percebemos nas más notícias que todos somos falhos, que todos temos erros, todos já ferimos alguém e mesmo assim eles nos perdoa e nos dá uma nova vida. Assim, pela graça de Jesus podemos perdoar aqueles que nos feriram, sem se aproveitar, sem se beneficiar, sem ter alguma vantagem, simplesmente perdoamos porque o perdão humano não passa de uma confirmação do perdão divino.
3- Vivendo o perdão - v.20-21
José então em poucas palavras mostra que sua visão ampla da história o possibilita de enxergar as situações da vida por uma outra ótica. Ele continua conversando com seus irmãos e diz que todo o sofrimento e dor que foi causado em sua vida pelos seus irmãos, Deus tornou em bem, e esse bem não é para ele, mas para manter vivos muita gente, ao começar por sua família e pela terra em que ele venceu. Mas José vai mais além, ele promete sustento para seus irmãos e seus filhos, promete provisão e segurança para eles. E por último, José encerra consolando seus irmãos e falando ao coração, trazendo palavras que os tocaram e que os curaram.
O teólogo britânico Derek Kidner diz: "Cada sentença da sua tríplice resposta é um pináculo da fé característica do Velho Testamento (e do Novo). Deixar com Deus todo o acerto dos erros alheios, ver a Providência divina na ruindade do homem, e pagar o mal não somente com o perdão, mas também com demonstração prática de afeto, são atitudes que antecipam o adjetivo que qualifica alguém como ‘cristão…"
Diante da graça de Deus que nos ensina sobre o que significa o perdão na história da humanidade, há algumas características para que o perdão seja colocado em prática em nossa famílias. Uma delas é perceber que suas feridas podem cura para muita gente. Você pode ter sofrido feridas profundas com seus familiares, você pode ter causado feridas profundas, mas Deus torna o mal em bem quando a transformação dele em você sobre perdão serve de fortalecimento para outros. Mesmo que nesse momento você não entenda, mesmo que as feridas causam dor, creia que um dia dessas feridas sairão poder para curar pessoas a sua volta que precisam viver o verdadeiro perdão. Uma outra forma de praticar o perdão é esteja disposto a ajudar. Eu sei, nossa cultura diz totalmente o oposto: vire as costas pra quem pisou na bola e fique com quem te valoriza. Mas não é isso que José faz, não é isso que Jesus faz, não é isso que como discípulos devemos fazer. Por mais que seja muito difícil, não retribua mal com o mal. Se seu cônjuge te feriu, não tente arrancar tudo dele, faça o possível para a situação ser resolvida mesmo que você perca. Se seus pais te feriram, não os despreze na velhice, ajude com suas possibilidades. Se seus filhos te feriram, não deixe que a ingratidão deles conduza a relação de vocês, vá você em direção à eles.
Não é atoa que o livro de Gênesis encerra com a história de uma família que viveu muitas crises e tragédias, mas o perdão foi o caminho para uma família unida até o fim.
Minha oração é para que a culpa não te atormente mais, Jesus levou todos seus erros na cruz. Mas oro também para que a gente sempre lembre que o maior perdão foi o de Jesus por toda a humanidade. A minha oração é para que possamos viver o perdão na prática, nossas feridas sendo poder de cura e nossas mãos estando estendidas para nossas famílias.