
O coração de pedra - Jonas 3
Sinopse da série
Diante de um mundo cada vez mais cruel, nossa cultura clama: "mais amor, por favor". O que não ouvimos tanto, é sobre ter misericórdia de quem não merece. Aliás, sendo mais diretos, o que mais nos convencemos é que temos direito de odiar e até sermos cruéis com quem tenha nos traído, nos prejudicado ou até mesmo alguém com convicções políticas diferentes das nossas.
Mas essa realidade não é só do nosso tempo. No livro de Jonas encontramos um profeta com a confrontadora missão anunciar salvação para uma cidade opressora de seu próprio povo. Jonas, porém, só quer que Nínive seja alcançada pelo juízo e que paguem pelo mal que causaram, sofrendo cruelmente.
No fim, mais que uma cidade violenta e opressora ou um profeta teimoso e magoado, o livro de Jonas nos apresenta Deus que, independente do mal causado, estende a mão aos perdidos, confronta o coração dos seus escolhidos e nos leva a conhecer e experimentar "O Deus compassivo”
Contextualização do livro
Jonas ganhou renome como profeta durante o reinado de Jeroboão II1. Seu livro tem sido alvo de discussões prolongadas por conta de suas características únicas em comparação com os outros profetas. Enquanto os outros livros proféticos adotam um estilo mais direto e poético ao repreender e exortar o povo de Israel, o livro de Jonas se destaca por contar uma narrativa que se assemelha a uma história, incluindo elementos como um profeta que tenta fugir de Deus, uma tempestade no mar, um grande peixe que o engole e sua "bem-sucedida" pregação em Nínive.
A essência do livro reside em sua mensagem intemporal sobre arrependimento e a misericórdia divina. Jonas nos recorda que, não importa quão pecador alguém seja, e nem tão longe tentemos escapar da missão de Deus, o Deus compassivo está sempre redigindo a história e expressando sua compaixão a humanidade, é isso que encontramos em Jonas 3.
1- O disfarce da dureza (v.1-4)
O profeta tem uma segunda chance diante da sua fulga e teimosia da primeira vez que Deus falou com ele, e nessa segunda chance, Deus confirma para que Jonas proclame o descontentamento divino contra Nínive, Jonas não precisa inventar nada, só proclamar a palavra do Senhor (v.1-2). Mas Jonas revela seu coração duro disfarçado de obediência, pois o texto diz que para percorrer Nínive levaria três dias, porém Jonas andou e proclamou a mensagem só um dia, sem mostrar temor nenhum diante de uma palavra de confronto e misericórdia da parte de Deus (v.3-4).
Vivemos em uma geração que prioriza e enfatiza mais sentimento do que a mensagem do Senhor. Hoje, a relação com Deus é o “eu sinto”, a presença de Jesus é o arrepio e o Espírito Santo é provado no êxtase. Sempre aparecem pastores dizendo que o avivamento está chegando, que esse ano será o melhor ano da sua vida, que Deus vai te levar a viver o que nunca viveu, criando expectativas de riqueza, de felicidade, de reconhecimento pessoal, quando a mensagem de Deus é simples, ela nos chama a se arrepender de nossos caminhos maus e nos voltar para o Deus compassivo. O problema é que esse tipo de mensagem não confronta o coração de pedra, muito pelo contrário, o que vemos é uma geração com o coração de pedra disfarçado de obediência.
Você pode disfarçar seu coração de pedra dizendo que obedeceu a Deus ao entrar em um negócio, que fez isso pela missão de Deus, quando na verdade você está se matando de tanto se esforçar para dar certo por causa de sua ganância ou mesmo para provar que você é capaz. Você pode disfarçar sua dureza dizendo que obedece a Deus para quem está a sua volta, quando na verdade você tem levado uma vida promiscua e corrupta nos becos escuros onde seus conhecidos não te veem. Você pode disfarçar seu coração de pedra dizendo que obedece a Deus fazendo o bem aos necessitados, ajudando os pobres, sendo a favor da inclusão, quando na verdade você é ignorante com seu cônjuge, violento com seus filhos, despreza seus pais, odeia o amigo que pensa politicamente diferente. Desculpa, mas seu coração de pedra só está disfarçado.
2- Deus é Deus da humanidade (v. 3)
Apesar da dureza do coração de Jonas em relação a Nínive, o texto apresenta algo que precisamos destacar, Ninive é uma cidade muito grande. Na versão NVI há uma nota de rodapé onde apresenta a mesma tradução que a ARA optou, uma cidade importante diante Deus2. Na verdade, podemos perceber que a profundidade desse texto é dizer que Nínive era uma cidade grande, referente ao desleixo de Jonas em pregar só um dia, mas que também ela é importante para Deus. Apesar dos atos terríveis, da opressão, dos erros e falhas, esse texto revela algo maior, Deus não é Deus só de Israel, Deus é Deus de Nínive, Deus é Deus do ser humano, a sua imagem e semelhança é importante para Ele.
Todo o ser humano é imagem e semelhança de Deus? Então, quando Deus criou o ser humano, sim, o ser humano foi criado a imagem e semelhança de Deus e o Senhor se relacionava com o ser humano, sem cor, raça ou etnia. Mas o ser humano decidiu trocar o senhorio de Deus pelo seu próprio e o pecado entrou na humanidade, a imagem de Deus no ser humano foi machada. Mas Deus é compassivo, como foi com Nínive, e age com misericórdia na história enviando seu filho Jesus, como homem, sendo a imagem perfeita da criação. E da mesma forma que o pecado entrou por Adão, a graça de Deus entra na humanidade através de Cristo e sua morte. Jesus ressuscita, vence a morte, gerando em nós a esperança da vida eterna, onde o ser humano, salvo por Deus, terá a imagem restaurada. E independente de quem proclama, ou mesmo de algum esforço humano, o ato de salvar é de Deus (Romanos 9.15-16).
Assim, tenha em mente que todo o ser humano, apesar da queda e da imagem manchada, não deixa de ser criação de Deus e é um potencial para ter sua imagem restaurada. Isso inclui os que tentam nos prejudicar no trabalho, a professora que maltratou seu filho, o amigo que virou um idólatra ideológico, enfim, todos esses podem ser salvos por Jesus. Nós não sabemos quem será salvo, não compete a nós. Por isso, nossa função é viver em missão, no dia a dia, com alegria do que recebemos e misericórdia de quem cruza o nosso caminho, crendo que Jesus está agindo no mundo.
2 A palavra em hebraico עִיר־ּגְדֹולָה pode significar grande ou importante cidade. No caso de Nínive, pode ser as duas coisas. Por isso que a NVI opta em dizer que é uma grande cidade. Porém há uma palavra depois da grande/importante cidade no hebraico, não traduzida pela NVI que é לֵאֹלהִים - Eloin que significa Deus. Numa tradução o contexto deve ser considerado, ou seja, diante do que estamos percebendo no texto, Nínive pode ser uma grande cidade, mas ela é importante diante Deus até mesmo pelo movimento que Deus leva um profeta de seu povo e a tudo que acontece depois da pregação desse profeta. Por isso, a tradução da ARA ou a nota de rodapé da NVI transparecem de forma mais completa o texto hebraico.
3- O verdadeiro arrependimento (v. 5-10)
Nínive se converte e isso se dá em três características: Primeiro, tristeza e humilhação por causa de seus pecados, é o que os ninivitas fazem ao jejuar e se vestir de trapo (v.5-6). Em segundo lugar, o abandono do mau caminho e da violência, o próprio rei reconhece isso (v.7-8). Em terceiro, voltar-se para Deus esperando seu perdão. O texto diz que Deus se arrependeu3 e não destruiu Nínive (v.9-10). "O arrependimento do rei de Nínive contrasta fortemente com a conduta de Jeroboão II, o rei de Israel em cujo período Jonas profetizou. O rei pagão se submeteu a Deus, desceu de seu trono, tirou o manto real, vestiu trajes de luto e clamou a Deus suplicando misericórdia e perdão. O rei de Israel, por sua vez, 'fez o que era mau aos olhos do Senhor…' (2Rs 14.24)4".
Você quer saber se seu coração ainda é de pedra e está disfarçado de obediência?
Você quer saber como tornar seu coração convertido a Deus? É simples!
Primeiro, se entristeça e se humilhe pelo seus pecados. É incrível como muitas vezes arrumamos desculpa para nossos erros, falamos dos traumas, da situação que nos coagiu, de que nascemos assim, de que não é fácil, e sim, nosso coração é mal, mas quando buscamos desculpas é um sinal de que nosso coração continua duro, que vivemos uma obediência falsa, que no fim, não nos convertemos. Precisamos nos humilhar diante de Deus, se entristecer pelo que fazemos, nos arrepender de verdade.
Segundo, abandone a violência e o mal caminho. Somos violentos nas palavras, denegrimos e difamamos pessoas, acabamos coma reputação e a moral de colegas de trabalho, somos violentos quando fofocamos um segredo vergonhoso de alguém, somos violentos quando agredimos o coração do nosso cônjuge, quando disciplinamos os filhos na raiva, quando damos socos nos móveis e gritamos com furor nos olhos com nossos familiares, isso quando não são violentos fisicamente mesmo, principalmente agredindo seus cônjuges (tanto homens quanto mulheres), abandone esse caminho de violência hoje, peça perdão e não faça mais.
Terceiro, volte e acredite no perdão de Deus. Por mais que você tenha caído muitas vezes, se você se sente decepcionado ou com raiva de você pelas decisões ruins ou sua falta de controle, saiba que Deus é misericordioso, ele perdoa pecados, ele ama você, morreu por você e seu coração pode ser transformado pelo Deus compassivo.
Minha oração é que Deus nos perdoe pelo coração duro em relação ao próximo. Que Jesus nos ajude a enxergar o ser humano como uma imagem de Deus em potencial. Que o Espírito Santo nos leve a um verdadeiro arrependimento.
3 A palavra arrependimento pode significar um remorso diante de um erro mas também pode expressar compaixão. Quando a bíblia diz em Números 23.19 que Deus não é homem para se arrepender, o contexto mesmo explica que Deus não deixa de cumprir sua promessa porque ele não erra. Por outro lado, Deus também é compassivo como foi com Nínive, ele a condenou mas se arrependeu (compaixão).
4 C. Rosalee Velloso Ewell, “Jonas”, in Comentário Bíblico Latino-Americano, ed. C. René Padilla et al., trans. Cleiton Oliveira et al., 1. ed. (São Paulo: Mundo Cristão, 2022), 1111.